:: A MODA NO BRASIL
 
(Livro Mulher de Fatima Santos)

A moda no Brasil passou por várias fases até chegar ao que conhecemos hoje. A mulher brasileira, inovadora e atenta, não deixou de sempre acompanhar o que acontecia lá fora para absorver sempre o melhor do que via. Hoje, a moda tupiniquim é única e reflete o resultado de várias tendências e influências. Abaixo, um pouco do que aconteceu do século dezenove até agora.

1890-1910
Nesse século de arreios anatômicos - espartilhos, ligas, suspensórios - enquanto a mulher enfeitava-se com rendas, sedas e babados, tornando suaves os contornos das roupas, o homem vestia ternos pesados e sóbrios, e dedicava atenção especial às costeletas, barbas e bigodes. Na intimidade ela vestia um desabillé sobre uma camisola que cobria um corpo disciplinado pelo espartilho e pelo corpete. Ele, de camisolão e máscara de bigodes para torná-los apontados e dignos de serem mostrados à sociedade. Os padrões chic vinham da França, e nossa tardia Belle Époque revelava nas roupas íntimas e nas toaletes para ir ao teatro ou ao sarau, a mesma forma alongada, enriquecida pelas linhas sinuosas do Art Noveau.. Nos vestidos de passeio, os quadris apertados ganhavam enfeites drapeados, que dialogavam com as curvas fechadas das sombrinhas, a proteger do sol o rosto das jovens senhoras.

1910-1922
O século XX entra em cena aos solavancos, como o automóvel. Artistas como Lasar Segall, Anita Mafalti, Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade discutiam o modernismo. O escultor Becheret cruzavam o oceano em direção à Paris e traziam de lá novas idéias estéticas do Cubismo e Art Déco. Novidades para a decoração das casas e roupas mais blasés, mais de acordo com o espírito da época. As senhoras da sociedade não ousam tanto, mas sobem os vestidos até os tornozelos e respiram a libertação do espartilho.

1922-1934
São Paulo é uma festa. Intelectuais, influenciados por Di Cavalcanti organizam um evento pour épater: a Semana de Arte Moderna. As mulheres agitam os vestidos curtos, de cintura baixa e muitas franjas, ao som do charleston. As mãos se cruzam e descruzam sobre as meias coloridas de seda, ou balançam os longos colares de cristal. No alto do braço, pulseiras tipo escrava, de marfim ou serpentes de ouro. Ondulam as plumas e os leques. O ambiente é povoado pela sedução consciente dos gestos, conquista definitiva da estética feminina desses anos 20. O Modernismo incomoda nas casas clássicas de gosto eclético e decoração pesada. Pinturas geométrico-cubistas de Segall, móveis e tapeçarias em Art Déco, móveis da Bauhaus, sem dúvida estranham esse ambiente. O perfil feminino também é cortado nas linhas retas do cabelo à la garçon e o chapéu-toca, ou simplesmente "toque" protege as cabeças femininas mais modernas.

1934-1946
A moda, numa comparação com a política, busca novos rumos. A indústria textil está em alta e a publicidade se fortalece. Começa também a mudança de cores para as estações do ano. É o fim do tradicional, onde se viam mulheres com casaco branco, vestido preto, luvas e chapéus, idem e ou, vice-versa, cairam no esquecimento para dar lugar às diversas tonalidades das cores azul e vermelho, crepe com enfeites de renda, golas jabot, com laços de crepe georgette. Aparecem também pijamas (macacões com calças amplas, que imitam saias) e tailleurs. As saias agora são franzidas ou lisas e as blusas, têm laços e flores na mesma tonalidade do vestido, tudo isso, visando dar forma e movimento ao corpo feminino, com nuances de sensualidade. Parece ser verdade que a moda, nos seus vários modos, estimula a procura para além do possível. Como a fantasia, ela ajuda a compor personagens. É essa pulsão de moda que leva as freguesas à costureira, a cúmplice desse jogo, pois é ela que torna possíveis os sonhos impossíveis. Em Paris, os grandes nomes da costura são Jean Patou e Schiaparelli.Os cabelos curtos que reinavam desde a primeira guerra continuam bem aceitos na década de trinta. A maquilagem ganha em cor e brilho com a utilização de pó-de-arroz, rouge e baton. A banca de jornais oferece soluções a preços módicos. É só comprar o tecido, as rendas, as lantejoulas, escolher os botões e pedir à costureira para copiar o vestido bonito da revista. Antes do advento do prêt-a-porter é a costureira que faz a passagem ao excitante mundo da moda. Pelas suas mãos o universo do glamour torna-se real com ajuda das divas do cinema, Gloria Swanson, Greta Garbo e Joan Crawford. Em 1940, surge o Pan Cake Make-Up, pó compacto que aplicado com água no rosto, fazia as vezes de base. Os nossos costureiros vão a Paris, em busca de Dior ou Givenchy, como fonte de inspiração para suas criações. Aos poucos começa a existir uma alta costura brasileira. As consumidoras brasileiras passam a emprestar seu prestígio social aos ateliês de Dener, Mme. Rosita, Casa Vogue, Casa Canadá. Lá fora correm os anos 50. A arquitetura ganha em leveza, apoiando-se sobre pilotis, os móveis têm pé-de-palito e os automóveis linhas aerodinâmicas.

1946-1960
No pós-guerra o Brasil participa do processo mundial de reconstrução industrial, e uma certa euforia desenvolvimentista atinge todos os campos. Progresso é a palavra-chave para São Paulo. O espírito moderno está nos móveis da classe média, nas estampas dos vestidos, nos saltos dos sapatos e nas linhas arrojadas dos automóveis. A indústria têxtil dos anos 50 procura adequar-se à praticidade da vida moderna, criando os tecidos sintéticos, que dispensavam o ferro de passar: nylon para as roupas leves, helanca para os maiôs, tergal para as saias plissadas e calças de vinco permanente.

1960-1974
O rock'n'roll rola solto nas festas. Ela dança de saia rodada, blusa de ban-lon, sapatilhas baixas, lencinho no pescoço, rabo-de-cavalo. Ele ajeita o topete com muita brilhantina, corre o cinto nos ilhoses da calça Lee, sobe a gola do blusão de couro preto e ergue sobrancelhas, como James Dean. No início dos anos 60 a Fenit organiza grandes desfiles, com a presença de costureiros franceses, em que a indústria têxtil mostrava suas novas criações. A Rhodia lança nesses desfiles a moda brasileira para exportação: "Brazilian Look", "Brazilian Fashion", "Brazilian Nature". As roupas sobem e descem, alargam e estreitam, trocam ligeiro de canal. Moda saco, chemisiers, évasés, tubinho, correntes douradas na cintura. Os cabelos se armam e viram as pontas pra fora, tipo gatinho. Olhares, com muito delineador e rímel, ficam existencialistas. Mary Quant economiza pano com a minissaia. Pernas largas nas pantalonas, pernas finas na cigarette. O maiô perde pano na cintura e vira duas peças. O umbigo está com tudo e a calça Saint-Tropez deixa ele lá em cima. Os anos rebeldes consomem de tudo. Todas as modas ficam logo démodés. Os hippies deixam o cabelo crescer. Moda andrógina, unisex. Todos de jeans e cabelos compridos, "caminhando contra o vento".

1974-1990
Nos salões do Planalto, dez entre dez mulheres vestem tailleur. Nas calçadas do Leblon, desfilam bumbuns rechonchudos e pós-moldados em fibras sintéticas. Os points de rock pedem jeans, camiseta e , quem sabe, um blusão de couro. Os anos oitenta foram tempos de exposição máxima do corpo feminino. Pelas areias desfilaram asa-delta e fios-dentais sumaríssimos. Já os anos 90 propõem, nestes mesmos trópicos, algo mais ardiloso : a sensualidade insinuada. Voltam os duas-peças e maiôs inteiros. Armadilhas para olhar, convite ao voyeurismo, estímulo às fantasias. As sereias se dão ao direito de duas polegadas a mais - por que não? Um outro jeito de prender os cabelos. Uma nova maneira de amarrar a canga - sempre estampadíssima. Um adereço surpreendente: cavalos-marinhos ou estrelas do mar? Enfim, uma sandália, uma bolsa de palha, uma água-de-colônia, um batom, uma gíria nos lábios. E as saias que vêm e que passam? Nos anos 70, saias pelos calcanhares. Em meados dos 80, mostram-se as pernas, e elas sobem mais, mais e mais. Elas já não se preocupam com os joelhos à vista e os comprimentos sobem-e-descem ao sabor da individualidade, do gosto pessoal, do sentir-se bem e pronto. Imagine só: até reinventaram os vestidos floridos e rodados, um gracioso "chita look". As cores. Onde estão as cores? Tons vibrantes: rosas declarados, amarelos impulsivos, azuis profundos, coisa boa, coisa bem Brasil. Mas é bom não esquecer de olhar e conferir as barracas de camelôs às margens do Capibaribe, no Recife, na Praça Quinze, no Rio, na rua Direita, em São Paulo. "E o doutor, vamos já escolher uma gravata Pierre Cardin pro doutor...". É fascinante decifrar essa moda de tabuleiro, ultra colorida, malandra. É a grife do asfalto chique do populacho, cultura da resistência. Os grandes mestres de Paris, Londres, Milão e Nova York se curvariam diante do luxo que desce o morro rumo à avenida. Brilho falso, feito de papel laminado, tinta tóxica, cola vagabunda. Mas que pulsa, arrebata e explode em inimitável criatividade.

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